A MPV 1.108 e as Startups de benefícios flexíveis

A MPV 1.108 e as Startups de benefícios flexíveis

A Medida Provisória 1.108/2022 acabou gerando dúvidas sobre o futuro do fornecimento de benefícios flexíveis, bem como do aproveitamento do benefício fiscal do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT pelos empregadores.

01/04/2022

Há algum tempo as HR Techs, startups que visam solucionar os problemas dos departamentos de recursos humanos, vêm inovando no setor de gestão de benefícios, focando na qualidade de vida dos trabalhadores e trazendo agilidade e praticidade para as empresas, distanciando-se daquele antigo modelo de vale-refeição e vale-alimentação.

As empresas tradicionais de benefícios costumam trabalhar com o formato de arranjos fechados, ou seja, quando elas possuem cartões de benefício com bandeiras próprias. Essa forma de arranjo de pagamento normalmente traz consigo dois problemas: um para o empregado e outro para os estabelecimentos comerciais.

Quando essas empresas de benefícios não têm expressão significativa no mercado, o empregado é o mais prejudicado, pois se verá obrigado a utilizar seu vale-refeição ou alimentação em um número reduzido de estabelecimentos, muitas vezes com qualidade inferior àquela que ele gostaria ou com valores superiores aos normalmente praticados.

De outro lado, quando as empresas tradicionais possuem uma fatia muito grande do mercado, quem acaba se encontrando em uma situação de vulnerabilidade é o proprietário do comércio que aceita aquela bandeira, pois essas empresas, valendo-se do grande número de usuários do seu cartão, acabam cobrando taxas muito mais altas do estabelecimento pelo uso das suas bandeiras.

Além de romper com esse modelo, ao operar por meio de bandeiras já existentes e muito utilizadas no mercado, as startups de benefícios normalmente trazem flexibilidade ao permitir que as empresas e os empregados possam escolher os benefícios que melhor se adequem à sua realidade.

Entretanto, a recentíssima edição da Medida Provisória (MPV) 1.108/2022 trouxe a dúvida acerca do futuro do fornecimento de benefícios flexíveis, bem como do aproveitamento do benefício fiscal do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT pelas empresas.

Essa dúvida acabou sendo gerada, principalmente, por uma análise equivocada das proteções ao trabalhador e das vedações de práticas ilegais pelas empresas previstas

na MPV, bem como pelo receio da aplicação de multa entre R$ 5.000,00 e R$ 50.000,00 para os casos de execução inadequada ou desvirtuamento da finalidade do auxílio-alimentação.

Lembrando que, conforme § 3º do art. 62 da Constituição Federal, uma medida provisória perde sua eficácia se não for convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60.

Contudo, ainda que seja convertida em lei, a MPV 1.108 não colocará fim à evolução trazida pelas HR Techs, tampouco acabará com a possibilidade de fornecimento de benefícios flexíveis pelas empresas ou aproveitamento de benefícios fiscais do PAT.

Em verdade, a MPV visa otimizar o pagamento do auxílio-alimentação previsto na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e melhorar a execução do PAT.

Auxílio-alimentação exclusivo para pagamento de refeições

O PAT foi criado em 1.976, pela Lei 6.321, com o objetivo de melhorar as condições nutricionais dos trabalhadores, permitindo que as empresas deduzissem o dobro das despesas realizadas com alimentação do lucro tributável, de forma a incentivar as empresas a implantarem serviços de alimentação adequados aos seus empregados.

Ocorre que, com o desenvolvimento de novas tecnologias desde a sua criação, o PAT passou a funcionar muito mais atrelado a sistemas, arranjos e instituições de pagamento, possibilitando ao trabalhador realizar aquisições não relacionadas à alimentação, desvirtuando a finalidade do Programa e do benefício fiscal criado para promovê-lo.

Por esse motivo, a MPV alterou o art. 1º da Lei 6.321, incluindo o § 3º, para exigir que os valores pagos a título de auxílio-alimentação devam ser utilizados exclusivamente para compra de refeições ou gêneros alimentícios:

§ 3º As despesas destinadas aos programas de alimentação do trabalhador deverão abranger exclusivamente o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares e a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais.

Contudo, isso não significa que os empresários estejam obrigados a rescindir seus contratos com as startups de benefícios e voltar a contratar as empresas tradicionais apenas para comprovar a destinação dos recursos do auxílio-alimentação.

A única necessidade para comprovar a destinação dos recursos do auxílio-alimentação e aproveitamento dos benefícios do PAT pelos empresários é que se exija que as empresas contratadas para fornecer os benefícios, as facilitadoras, possuam meios tecnológicos de identificar, categorizar e restringir os pagamentos a estabelecimentos comerciais conforme o tipo de benefício fornecido ao empregado, restringindo o uso de créditos de alimentação apenas para pagamento em restaurantes e similares.

Isso porque a MPV não veda a contratação de mais de um benefício com uma mesma facilitadora, apenas dispõe que o benefício de alimentação deverá ser utilizado obrigatoriamente com alimentação.

Proibição do rebate

Essa proibição não é novidade da MPV, pois já era prevista no Decreto nº 10.854 de 2021, que regulamentou o PAT.

Essa prática muito comum acabava prejudicando o trabalhador, pois era permitida a concessão de taxas negativas ou deságio pelas facilitadoras às empresas que recebiam isenção tributária para implementar programas de alimentação.

Essa prática deturpava o PAT ao beneficiar duplamente as empresas. Para ganhar mercado, as facilitadoras concediam taxas negativas às empresas, para fechar novos contratos de benefício alimentação. De outro lado, para recompor esse deságio, as facilitadoras exigiam altas taxas dos estabelecimentos comerciais credenciados.

Nesse cenário, os trabalhadores, que deveriam ser os maiores beneficiários do PAT tiveram sua importância nas negociações relegada ao segundo plano, enquanto as pessoas jurídicas se beneficiavam duplamente, com a isenção do imposto de renda e com as taxas de deságio concedidas pelas facilitadoras.

A MPV veio reforçar a proibição a essa prática, vedando ao empregador receber qualquer tipo de deságio, descontos, prazos de pagamentos ou benefícios ao contratar pessoa jurídica facilitadora, incluindo o § 4º no art. 1º da Lei 6.321:

§ 4º As pessoas jurídicas beneficiárias não poderão exigir ou receber:

I – qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado;

II – prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores; ou

III – outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador, no âmbito do contrato firmado com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.

A leitura equivocada desse inciso III acabou gerando dúvidas acerca do fornecimento de benefícios flexíveis pelos empregadores, partindo-se do pressuposto errôneo de que não se poderia contratar outros benefícios não vinculados com a saúde e segurança alimentar do trabalhador.

Em verdade, o inciso veda ao empregador “exigir” ou “receber” benefícios “não vinculados à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador” das empresas facilitadoras, de forma que sua decisão seja pautada no melhor para os seus empregados e não para sua empresa.

Portanto, não há qualquer vedação para o empregador contratar mais benefícios para seus empregados, ainda que não estejam vinculados com a saúde e segurança alimentar.

Cabe lembrar que a intenção da MPV, nesse ponto, é a de coibir o rebate, que consiste no empregador recebendo ou exigindo benefícios para contratação de empresa facilitadora.

Conclusão

Conforme exposto, a MPV 1.108 visa otimizar o pagamento do auxílio-alimentação previsto na CLT e melhorar a execução do PAT, bem como não há qualquer vedação para a contratação de outros benefícios cumulativamente com o auxílio-alimentação.

Mesmo porque essa nova medida não versa sobre quaisquer outros benefícios, dispondo somente do auxílio-alimentação previsto no art. 467, §2º da CLT.

Para que as empresas contratantes possam se beneficiar do PAT, bem como comprovar a destinação correta do auxílio-alimentação e de outros benefícios previstos em lei e em convenções coletivas, basta que a empresa facilitadora possua meios tecnológicos de identificar, categorizar e restringir os pagamentos a estabelecimentos comerciais conforme o tipo de benefício fornecido ao empregado, restringindo o uso de créditos de acordo com sua finalidade.

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TARIK FERRARI NEGROMONTE é sócio fundador e gestor do escritório N | PARTNERS Legal Solutions, especialista em direito do trabalho e contratos de tecnologia e atua como mentor de startups em programas de aceleração