BLACK FRIDAY: PRÁTICAS COMERCIAIS A SEREM EVITADAS PELO FORNECEDOR

BLACK FRIDAY: PRÁTICAS COMERCIAIS A SEREM EVITADAS PELO FORNECEDOR

Quando se fala na popularmente conhecida black friday, logo se pensa em duas palavras:  promoção e e-commerce.

Não é novidade que o aumento da venda de produtos nesse dia é notório. Apenas a título de curiosidade, estima-se que a black friday de 2019 deve movimentar no comércio on-line cerca de R$ 3 bilhões, representando um aumento de 18% (dezoito por cento) se compararmos com o ano passado, caso consumado[1].

Outrossim, sabe-se que os órgãos de proteção do consumidor (PROCON), no dia das significativas e tentadoras promoções, costumam ficar atentos às atitudes perpetradas pelos fornecedores[2], trabalhando em esquema de “plantões”.

Nesses plantões do PROCON, o consumidor, normalmente, pode entrar em contato com o órgão entre 19 horas de quinta-feira que antecede o dia festivo até às 23h59 do dia da black friday e formalizar suas reclamações. De acordo com notícia veiculada no sítio eletrônico do PROCON, desde 2014 houve um crescimento considerável de reclamações formuladas pelos consumidores no dia da black friday[3].

Verificadas violações de direitos dos consumidores, o PROCON poderá invocar o art. 56 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, assim, aplicar uma das sanções previstas na referida legislação como, por exemplo: multa, apreensão do produto, interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade, entre outras.

Por tal razão, o fornecedor deve se prevenir, buscando atuar no dia da black friday de acordo com os parâmetros estabelecidos tanto no Código de Defesa do Consumidor quanto no Decreto Lei n. 7.962/13, que dispõe sobre a venda de produtos on-line.

 

Informação adequada e clara

A palavra chave, que deve ser o foco dos fornecedores nesta data, para o sucesso de vendas sem o risco de eventuais reclamações formuladas pelos consumidores no PROCON é: INFORMAÇÃO.

O CDC considera como um direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Na mesma linha, a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades do consumidor, notadamente no que concerne à transparência do fornecedor.

Outrossim, no Decreto Lei n. 7.962/13 a palavra “informação” é novamente ressaltada, sedimentando a ideia de que, sem informação adequada, clara e ostensiva, há violação aos direitos do consumidor. (art. 1º, inciso I, art. 2º, caput e inciso II, art. 4º, inciso I, V, art. 5º, caput).

Desse modo, o fornecedor deve veicular em seu sítio eletrônico as promoções e suas respectivas informações de maneira clara e ostensiva, impedindo eventual reclamação no sentido de “eu não estava ciente disso” ou “não fui informado”.

Vale ressaltar que a palavra do consumidor sempre será levada em consideração em detrimento à do fornecedor, mormente pelo fato de que o consumidor é considerado a parte mais vulnerável da relação.

Outros grandes problemas que o fornecedor se depara no dia da black friday são o atraso na entrega dos produtos adquiridos, venda de produtos esgotados, propaganda enganosa e mora na devolução de valores despendidos quando da invocação do direito de arrependimento.

 

Atraso na entrega dos produtos

O atraso na tradição dos produtos adquiridos online já é, há tempos, conhecido, tanto na jurisprudência quanto na doutrina.

O fornecedor deve se preparar logisticamente e colocar um prazo que realmente possa cumprir, evitando aprazar a entrega para uma data impossível de ser efetivada, apenas com o intuito de chamar a atenção do consumidor.

Isso porque, caso não entregue o produto na data contratada, o consumidor poderá formalizar sua reclamação no PROCON, bem como ajuizar ação indenizatória.

Em ambas as hipóteses, o fornecedor suportará um prejuízo desnecessário, podendo ser aplicada multa pelo PROCON ou ser condenado judicialmente ao pagamento de danos morais ao consumidor, sem prejuízo do cumprimento forçado da oferta ou restituição do valor pago atualizado monetariamente, a depender do interesse do próprio consumidor[4].

Cada vez mais a tese do “mero inadimplemento contratual” deixa de ser seguida pelos Tribunais de Justiça ou Colégios Recursais.

A título de exemplo, um dos enunciados das Turmas Recursais do Paraná estabelece que “a demora ou a não entrega de produto adquirido pela internet acarreta, em regra, dano moral[5].

A venda de produtos indisponíveis também poderá gerar um prejuízo desnecessário ao fornecedor. Nesses casos, a jurisprudência tem sido incisiva, condenando o fornecedor ao pagamento de danos morais ao consumidor[6], ante a violação aos princípios da boa-fé, informação, cooperação, equilíbrio e harmonia das relações de consumo – como dito alhures.

 

Publicidade enganosa

Outra atitude normalmente verificada pelos órgãos de proteção ao consumidor é a publicidade enganosa, definida pelo artigo 37, §1º, do CDC da seguinte forma:

é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.

 

Cláudia Lima Marque e Antonio Herman Benjamin, na obra “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor” afirmam que:

“A característica principal da publicidade enganosa, segundo o CDC, é ser suscetível de induzir ao erro o consumidor, mesmo através de suas ‘omissões’. A interpretação dessa norma deve ser necessariamente ampla, uma vez que o ‘erro’ é a falsa noção da realidade, falsa noção esta potencialmente formada na mente do consumidor por ação da publicidade. Parâmetro para determinar se a publicidade é ou não enganosa deveria ser o observador menos atento, pois este representa uma parte não negligenciável dos consumidores e, principalmente, telespectadores”[7]

 

No caso de publicidade enganosa, importante ressaltar que não será considerado consumidor apenas aquele que adquiriu o produto mediante leitura da referida publicidade. Nesses casos, os consumidores por equiparação (bystander) também serão consumidores e poderão pleitear, se o caso, o que de direito, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Nesses casos serão considerados consumidores aqueles que “utilizam um serviço”, compram algo em virtude da publicidade (art. 2º), a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo na relação de consumo (art. 2º, parágrafo único), todas as vítimas dos fatos do serviço ou produto, por exemplo, quem recebe o e-mail publicitário com vírus ou ganha um cookie quando visita um site publicitário (art. 17), todas as pessoas determináveis ou não expostas às práticas comerciais de oferta, publicidade, prêmios, correntes de compras, quem recebe o e-mail publicitário e entra em banco de dados de hábitos de consumo etc. (art. 29).

 

Direito de arrependimento

Outro grande problema da black friday é, sem dúvidas, o direito de arrependimento, na medida em que o consumidor, diante de inúmeras promoções, adquire produtos e serviços por impulso.

O art. 49 do CDC estabelece que ”o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço” sempre que os adquirir fora do estabelecimento físico do fornecedor.

Apesar de o CDC não mencionar a internet, a jurisprudência é clara no sentido de incluir a venda de produtos on-line no grupo de “fora do estabelecimento comercial”, protegendo o consumidor das agressivas técnicas de vendas dos fornecedores, determinando que o prazo obrigatório de reflexão e o direito de arrependimento devem ser aplicados ao e-commerce.

Tal entendimento dos Tribunais foi sedimentado no art. 1º, inciso III[8] e art. 5º[9] do Decreto Lei n. 7.962/13.

O direito de arrependimento invocado pelo consumidor não necessita ser justificado, basta que o consumidor o faça dentro do prazo de 7 (sete) dias, contados no recebimento do produto ou da assinatura do contrato.

Caso o consumidor exerça o direito de se arrepender da compra on-line, o fornecedor imediatamente deverá confirmar o recebimento da manifestação de arrependimento, sem prejuízo da devolução imediata da quantia despendida, devidamente atualizada monetariamente.

Concluindo, estando o fornecedor ciente dessas obrigações e dos direitos do consumidor, poderá utilizar-se da black friday como um dos principais mecanismos para impulsionar suas vendas, sem preocupar-se com reclamações, indenizações ou multas pelo descumprimento das normas estabelecidas pelo consumidor.

 

 

Victor Fernandes é sócio do escritório NEGROMONTE & PRADO ADVOGADOS ASSOCIADOS, responsável pela área de Direito do Consumidor, formado pela Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, pós-graduando em direito do consumidor pela Escola Paulista da Magistratura – EPM.

 

 

[1] https://exame.abril.com.br/negocios/na-black-friday-varejo-estima-faturamento-de-r-3-bilhoes/

[2] Por fornecedor, entendam-se todos aqueles que produzem, montem, criem, construam, transformem, importem, exportem, distribuam ou comercializem produtos ou serviços. Art. 3º da Lei 8.078/90.

[3] https://www.procon.sp.gov.br/black-friday-2/

[4] TJSP;  Recurso Inominado Cível 0009699-08.2018.8.26.0156; Relator (a): Renato Siqueira De Pretto; Órgão Julgador: 1ª Turma Cível e Criminal; Foro de Americana – 1.VARA FAMILIA; Data do Julgamento: 03/09/2019; Data de Registro: 03/09/2019

[5] https://www.tjpr.jus.br/enunciados-turmas-recursais/-/asset_publisher/aOT6/content/id/1861739

[6] TJSP; Apelação Cível 1010277-33.2015.8.26.0002; Relator (a): Sá Moreira de Oliveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/08/2016; Data de Registro: 04/08/2016

[7] MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor [livro eletrônico] / Claudia Lima Marques, Antonio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem. — 3. ed. — São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2019

[8] Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos:

[…]

III – respeito ao direito de arrependimento.

[9] Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.

2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.

3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:

I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou

II – seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.

4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.