Investidor-anjo: uma presença cada vez mais institucionalizada

Investidor-anjo: uma presença cada vez mais institucionalizada

A figura do investidor-anjo está diretamente ligada a crescente expansão das startups.

1. O que é um investidor-anjo e qual é o seu perfil?

O investidor- anjo é uma pessoa física ou jurídica que oferece apoio financeiro a um projeto, geralmente um modelo de negócio inovador, escalável e dentro de um ambiente de invertezas, ou seja, uma startup.

Além de financiamento, geralmente o anjo oferece à empresa suas habilidades, experiências e networking.

Onde outros investidores hesitam, os anjos se fazem presentes, não apenas financeiramente, mas também como mentores do negócio. Dado esse aspecto eles são incluídos na categoria dos Smart Money, expressão utilizada para definir os investidores que fazem diferença para a startup investida, pois além de capital, aportam insights ao negócio.

Em um terceiro cenário, destacam-se os grupos familiares que buscam, por exemplo, transformar parte de um valor recebido como herança em investimento.

2. Investimento e risco

Independentemente do perfil, investir em uma startup geralmente envolve um risco muito alto (venture capital ou capital de risco). Mas esse risco é proporcional ao ganho de capital potencial, o que pode ser muito significativo e atraente para os anjos. Apesar deste tipo de investidor manter um relacionamento mais pessoal com empresários, todo investimento “angélico” visa retorno e alguma segurança.

Nesse sentido, para diminuir os riscos deste tipo de investimento, a Lei Complementar 155/2016 criou novos mecanismos que protegem, inclusive, o patrimônio pessoal do investidor-anjo.

A LC 155 entrou em vigor no início do ano passado, sendo que o artigo 61 formata uma nova relação entre empreendedor e investidor, a partir da concepção do Contrato de Participação.

Esses investidores costumam aplicar de 5% a 10% de sua “poupança” em uma ou mais empresas, com o objetivo de recuperar de cinco a dez vezes o valor investido em um prazo que pode variar de 4 a 7 anos. Na visão mais pessimista, se a empresa falhar, eles perdem tudo. Mas é exatamente porque um anjo investiu em uma determinada empresa que ela tem a oportunidade de acelerar e se tornar sustentável.

Geralmente, o aporte do investidor anjo acontece depois do Love Money (investimento da família e amigos) e/ou empréstimos bancários iniciais e antes do Private Equity (investimento em empresa que já está desenvolvida).

Em síntese, esses financiadores têm um impacto positivo tanto no âmbito econômico quanto social, ao gerar a possibilidade de crescimento de pequenos e novos negócios, ao mesmo tempo em que geram postos de trabalhos qualificados.

3. Benefícios do investidor anjo vão além das finanças

Na maioria dos casos, o investidor anjo é mais experiente que o empreendedor e pode agregar valor com as suas habilidades adquiridas durante sua carreira profissional.

Um anjo, por exemplo, na figura de um executivo, oferece seus conhecimentos técnicos em gestão corporativa, relações de mercado, entre outras questões, o que beneficia a empresa em curto prazo.

Outro fator determinante para o sucesso que recai sobre a figura dos anjos está ligado à rede de contatos que podem abrir portas até mesmo para futuros investidores.

Por outro lado, os empreendedores terão que se mostrar firmemente comprometidos com o projeto, pois será preciso operar com demonstrativos financeiros e ter um maior controle de todos os aspectos do negócio. Nesta perspectiva, haverá uma crescente “pressão” para uma melhor estruturação e planejamento, o que não deixa de ser positivo para a startup.

4. O investimento-anjo e a Lei Complementar 155/2016

No Brasil, há alguns anos se esperava que fossem adotadas políticas que regulamentassem o investimento anjo para impulsionar e estimular as startups.

A Lei Complementar 155/2016 delineia um cenário semelhante ao que existe nos Estados Unidos e em diversos países europeus, onde o ordenamento jurídico visa proteger o patrimônio pessoal do investidor-anjo em relação às dividas da empresa.

Em razão da nova legislação, o aporte financeiro não será integrado ao capital social da empresa. Por conseguinte, o investidor-anjo não fará parte do quadro societário e não responderá pelas dívidas da empresa, as quais eventualmente, se desconsiderada a personalidade jurídica, serão de responsabilidade dos sócios regulares.

De maneira geral, as jovens empresas se tornam ambientes mais seguros para os investidores. Sob o ponto de vista do investidor, estes novos dispositivos trazem menos riscos em seus aportes de capital.

Para os empreendedores, essa nova configuração consolida a manutenção do “status quo” dentro da sociedade empresarial, pois é comum, nos casos de expansão em uma companhia, o aumento de capital interferir no poder diretivo e na tomada de decisões.

Ao receber um investimento muito alto, por exemplo, corria-se o risco de perder o controle da própria empresa. Sob esta ótica, pode-se dizer que o investimento recebido muitas vezes se tornava uma via de mão dupla, no qual a oportunidade poderia se transformar em uma ameaça.

5. Simples Nacional e o Investidor Anjo

Uma situação bastante comum era o desenquadramento das empresas do Simples Nacional, quando recebiam aporte financeiro de um anjo que já tivesse participação em outra companhia.

Com o objetivo de manter essas pequenas empresas competitivas, a lei também previu alguns ajustes. Um deles é a manutenção no regime tributário simplificado, mesmo quando agraciadas pelo investimento anjo, indiferente se o aporte for realizado por pessoa física ou jurídica.

6. Contrato de Participação e as novas exigências

Uma das exigências da nova lei é que a finalidade do investimento deverá constar de um acordo entre as partes, denominado Contrato de Participação.

O contrato não poderá ter vigência superior a sete anos, período que delimita o tempo para que o investidor obtenha o retorno do seu investimento.

A lei define como cláusulas essenciais do Contrato de Participação diversas normas que vão ao encontro dos interesses do investidor anjo:

• O investidor-anjo deverá ser remunerado por seus aportes pelo prazo máximo de cinco anos;

• O investidor fará jus, ao final de cada ano fiscal, da distribuição de lucros, que não poderá ser superior a 50% dos dividendos da empresa;

• O direito ao resgate do valor investido poderá ser exercido após dois anos do aporte financeiro, não podendo ultrapassar o valor de investimento mais correção, conforme o acordado no Contrato de Participação;

• No caso de os sócios decidirem vender a empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição em igualdade de condições com terceiros;

• Terá direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares; e

• Em caso da venda das ações/quotas de um acionista/quotista a terceiros, o investidor-anjo poderá vender sua participação pelas mesmas condições que os demais sócios.

7. Os dois lados da moeda

Embora todos estejam cientes de que o empreendedor e o investidor-anjo têm os mesmos objetivos com relação ao futuro da empresa, é preciso definir desde o início os direitos e deveres de ambas as partes. Não raro, o empreendedor concentra suas energias em atrair recursos e viabilizar as suas ideias e se esquece de analisar a situação.

Ao se optar pela abertura de crédito para um novo investidor, crucial atentar-se às vantagens e desvantagens que esta adesão oferecerá para a empresa.

Por isso, o contrato é o melhor aliado para que os empresários e também os investidores envolvidos em um projeto foquem na longevidade do negócio e resolvam eventuais conflitos.

As diretrizes contratuais devem ser concebidas a partir da legislação regente e também de anseios e expectativas das partes.

De fato, não existe uma solução padronizada que apare todas as arestas de uma relação jurídica, principalmente quando questões tais como assimetria de interesses, riscos, perdas e responsabilidade estão à mesa.

De qualquer forma, referida lei foi bastante oportuna e viabiliza investimentos no setor de inovação, propiciando que as startups acessem capital e absorvam conhecimento dos investidores-anjo que, por sua vez, têm o risco de capital relativamente mitigado em razão das proteções normativas recém introduzidas em nosso ordenamento jurídico.

São Paulo, 08 de maio de 2018.

Autor: Felipe Ricardo Haddad, advogado, sócio da Negromonte & Prado Advogados Associados.