O caráter punitivo do dano moral nas relações consumeristas

O caráter punitivo do dano moral nas relações consumeristas

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) é resultado da determinação constitucional – precisamente em seu art. 5º, inciso XXXII – que impôs ao Estado o dever de promover a defesa da parte hipossuficiente nas relações de consumo.

A referida legislação visa, sem dúvidas, estabelecer uma harmonia entre consumidor (art. 2 do CDC) e fornecedor (art. 3 CDC), bem como informá-los quanto aos seus direitos e obrigações provindos da relação comercial.

Por se tratar de uma norma regulamentadora extremamente importante na vida cotidiana, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor respalda grande parte dos litigantes nas ações em trâmite no judiciário brasileiro.

As demandas judiciais que têm como fundamentação legal o codex consumerista estão sempre acompanhadas de pedidos indenizatórios – muitas vezes infundados – relacionados aos supostos danos morais suportados pelos autores/consumidores.

Digo infundados na medida em que tais demandas têm como principal matéria “o atraso na entrega de produtos adquiridos online (comércio eletrônico)”, mesmo diante do entendimento pacificado do excelso Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto, como será demonstrado abaixo.

O referido Tribunal de superposição já se manifestou no sentido de que “o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante – e normalmente traz – trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade”[1].

Contudo, em que pese o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, o judiciário ainda sofre com diversas ações voltadas à indenização pela mora na entrega de produtos adquiridos fora do estabelecimento comercial, com o intuito exclusivo de angariar riquezas às custas de outrem, in casu o fornecedor.

Nessa ânsia desacerbada em enriquecer de maneira ilícita, os consumidores ajuízam ações sem qualquer motivo relevante, utilizando, muitas vezes, do Juizado Especial Cível, diante da desnecessidade do recolhimento de custas processuais.

Todavia, tanto na ação em trâmite na Vara Comum, quanto no Juizado Especial Cível, o consumidor – por expressa determinação da legislação processual cível (art. 292, inciso V)-, deve atribuir ao dano moral o valor que pretende receber a título compensatório. Nessa esteira é que a problemática se inicia.

O consumidor não consegue estipular um valor razoável ao dano moral que outrora teria suportado, deixando tal encargo ao magistrado com a simples redação “ou, em caráter punitivo-pedagógico, condene a Ré (Fornecedora) ao pagamento dos danos morais no valor que julgar plausível.”

Tal argumento é frequentemente utilizado, todavia, o dano moral na esfera cível possui o caráter punitivo atribuído pelos consumidores em suas demandas?

No campo do direito civil, o dano moral possui cunho exclusivamente reparador privado, não cabendo a tal ordenamento atribuir uma condenação maior do que aquela eventualmente merecida pelo consumidor, sob pena de desvirtuar-se da responsabilidade civil que, por seu turno, visa a reparação da lesão individual – conforme preceitua o art. 944 do Código Civil.[2]

Assim, a indenização do dano moral é uma sanção aplicada ao praticante do ato ilícito, mas deverá ser liquidada apenas “na proporção da lesão sofrida”.[3]

Ademais, cumpre salientar que qualquer inserção no cálculo dessa sanção seria um plus à condenação, a fim de evitar uma possibilidade de reiteração do ato nocivo, bem como prevenir sua reiteração, avançando em um terreno que, ordinariamente, não incumbe ao direito civil discipliná-lo, mas ao direto público.

Ainda que em outros países seja possível a aplicação dos famosos “punitive damages”, advindos de decisões pretorianas formuladas pela Corte Norte Americana, a legislação pátria impede, cabalmente, tal fundamentação, principalmente nos casos em que englobam a matéria consumerista.

Isso porque a sobredita punição aplicada pelo judiciário ianque não se enquadra em qualquer modalidade de responsabilidade civil, uma vez que, para configuração do também chamado “exemplary damages”, se faz necessária a existência de grande repercussão social do ato danoso praticado com dolo ou culpa grave.

Ou seja, se a intenção do judiciário brasileiro é aplicar a teoria norte-americana do “punitive damages”, deve-se, também, relembrar que tal fundamentação só será aplicada “em caráter extremamente excepcional[4] e, ainda, quando o ofensor tenha agido comprovadamente com culpa grave ou dolo – como aludido acima.

Destarte, ainda que o Código de Defesa do consumidor determine a responsabilidade objetiva dos fornecedores – ou seja, não sendo necessária a comprovação do dano causado ao consumidor – o “punitive damages” não deve ser aplicado, diante da inexistência do respaldo normativo pátrio e, quando a indenização se mostrar cabível, “em hipótese alguma servirá de causa para propiciar o enriquecimento do ofendido, nem para provocar a ruína do ofensor[5].

São Paulo, 15 de fevereiro de 2018.

VICTOR AUGUSTO FERNANDES

 

Victor Fernandes é advogado do escritório NEGROMONTE & PRADO ADVOGADOS, formado pela Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU.

 

Referências:

[1] STJ, 4ª T., REsp 827.833/MG, Rel. Min. Raul Araújo, ac. 24.04.2012, DJe 16.05.2012.

[2]A indenização mede-se pela extensão do dano.”

[3] SILVA PEREIRA, CAIO MÁRIO DA. Instituições de Direito Civil, 8ª ed., Rio, Forense, 1986, vol. II, nº 176, p. 288.

[4] GATTAZ, Luciana de Godoy Penteado. Punitive damages no direito brasileiro. Revistas dos Tribunais, n.º 964, fev. 2016,p. 207.

[5]  Theodoro Júnior, Humberto; Dano Moral – 8ª Edição – Rio de Janeiro – ed. Forense, 2016, pg. 74